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  • Nosso Musseque

A questão racial se apresenta neste romance de modo que a cor da pele é levada em conta em diversas situações vividas pelos personagens. Em alguns momentos fica notória a inocência das crianças, que não compreendem a razão de ser desta diferença, mas à medida que vão crescendo, passam a observar a natureza dos tratamentos desiguais e associá-los também às questões sociais. O trecho seguinte mostra um princípio desse despertar, quando após uma distribuição de brinquedos frustrada onde as crianças do musseque foram mal tratadas e não receberam os brinquedos que queriam, Xoxombo escreveu em seu caderno uma reflexão onde não entende porque seu amigo Zeca, pobre como ele, mesmo sendo branco, não recebeu o brinquedo que queria: “Eu e o Zeca fomos nos brinquedos. Nos meninos brancos deram camioneta de corda e a mim não porque sou muito preto. Mas no Zeca também não deram e ele é branco. O filho de sô Laureano da Câmara recebeu. Não percebo” (VIEIRA, 2003, p. 29).

 

Fica bem definida a divisão do ponto de vista racial, com os mulatos e negros representados pelas famílias dos meninos Zito, Xoxombo e Biquinho, e os brancos pelas famílias dos meninos Zeca, Nanito e Antoninho. Os dois últimos não faziam parte da turma de amigos do musseque, até por serem brancos com uma melhor condição econômica (filhos de um policial e do dono da quitanda, respectivamente). O próprio narrador em certo momento também se coloca nesse emaranhado sociorracial ao se lembrar de sua falecida mãe quando se refere à proibição que lhe é imposta pela madrasta de ter com seus amigos para ouvir as histórias e adivinhas de Dona Ana.

 

Na janela do meu quarto eu assistia triste, todos a sentar à volta de don’Ana, sá Domingas abanando o calor. Minha madrasta não deixava eu ir, dizia que essas conversas de cazumbis é história de negros e, quando ela falava assim, eu lembrava a minha falecida mãe, ficava a chorar e espreitava bem com os ouvidos para apanhar o que don’Ana contava e o silêncio amigo me trazia. (VIEIRA, 2003, p. 23)

 

O narrador, no caso, se trata de um menino mestiço filho de pai branco e mãe negra, mas que está sendo criado pela madrasta, também branca. Ele próprio, o narrador, está entre os dois mundos, o da tradição local ouvindo as histórias debaixo da mulemba (árvore frondosa, símbolo da realeza angolana), e o da cultura do colonizador português sendo obrigado pela madrasta a não se misturar com os negros.

 

Xoxombo, o menino de pele mais escura, conta em seu diário sobre a escola e revela que somente lá diz o seu nome todo, que parece ser o seu nome “português”, mas que não é referido no livro, e se queixa do tratamento recebido pela professora:

 

“O meu nome é Xoxombo. Só na escola é que eu digo o meu nome todo, quando a professora pergunta. E digo também que nasci da minha mãe, senhora Domingas João, negra, a sô pessora diz que isso não precisa dizer, e do meu pai, senhor capitão Bento de Jesus Abano, mulato, a sô pessora também quer que eu diga misto, mas é como eu gosto dizer. Nasci na Ingombota, ando na terceira e tenho nove anos. A sô pessora é boa mas eu não gosto dela. Quando os meninos começam-me fazer pouco chamando Xoxombo-macaco e outras coisas, ela aparece sempre mas eu não gosto. Diz eu sou coitadinho não tenho culpa de ser assim escuro e que a minha alma é igual” (VIEIRA, 2003, p. 22)

RACISMO

Sugestão de atividade

Com base na leitura do romance Nosso Musseque, solicite que os alunos façam uma espécie de catálogo registrando o nome dos personagens e suas respectivas características socioeconômicas e raciais. Na aula seguinte, além de pedir que entreguem esse catálogo por escrito, organize entre os estudantes um debate apoiado nos dados coletados por eles e nas discussões anteriores a respeito das questões de raça e sociedade. 

Referências

VIEIRA, Luandino. Nosso Musseque. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.

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