HISTÓRIA & LITERATURA
Angola e a luta anticolonial
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos – Pepetela – nasceu em Benguela*, a 29 de Outubro de 1941. Fez os seus estudos primários e secundários em Benguela e Lubango*,
partindo em 1958, para Lisboa para fazer o curso superior.
Frequentou o Instituto Superior Técnico, participando durante esse
período de atividades literárias e políticas na Casa dos Estudantes
do Império. Para escapar da convocação do exército colonial em 1962,
saiu de Portugal para a França, onde passou seis meses, seguindo
para a Argélia, onde se licenciou em Sociologia e trabalhou na
representação do MPLA e no centro de Estudos Angolanos,
que ajudou a criar.
Província de Benguela em destaque no mapa de Angola Município de Benguela em sua província
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/286260120044065098/. Fonte:http://aurelioschmitt.blogspot.com/2011/07/municipio-de-benguela-angola.html.
Província de Huíla em destaque no mapa de Angola Município de Lubango em sua província
Fonte:https://br.pinterest.com/pin/802696333554225209/?send=true. Fonte:http://mapsof.net/angola/angola-lubango.
Importante registrar que Pepetela nasceu numa família de descendência portuguesa, e o fato de ser branco e ter crescido num ambiente de classe média mostra como o MPLA buscou abarcar militantes das diversas classes sociais e raças em Angola. Os trechos a seguir de uma entrevista em 2011 mostram um pouco de sua visão a respeito da questão racial da época e no que concerne ao tratamento do MPLA:
"Quando percebeu as injustiças da sociedade angolana?
Cheguei a Portugal com 17 anos. Já achava que a sociedade angolana era muito injusta, com problemas de racismo. Tinha tido conversas sobre a necessidade de mudar mas não sabia como.
Testemunhou de perto esse racismo?
Vivi em Benguela, a melhor cidade nesse aspecto. Mas quando fui estudar para o Lubango senti a diferença. Sobretudo na segregação racial. Via como os meus colegas negros eram tratados. Quando fui para Portugal já havia lá gente muito politizada. Percebi que Angola e Portugal eram entidades diferentes e que era preciso independência. Quando começou a luta armada, pronto, era o caminho.
Nasceu em Benguela em 1941, filho de portugueses há muitas gerações em Angola. Por que diz que a cidade era diferente no que toca a racismo?
Era uma cidade muito particular. Metade da população era mestiça, estabelecia relações. Na escola tinha companheiros de todas as cores. Havia racismo, claro, mas havia uma maior integração da população. As outras cidades eram piores. A maioria da população do Lubango era branca. Passava férias no Huambo e íamos em grupo para a piscina. Não nos deixavam entrar. Diziam: ‘Tu e tu podem, os outros não’. Eram mestiços ou negros.
Sentia-se angolano mas era branco. Isso causava alguma confusão identitária?
Eu não tinha dúvidas: aquela era a minha terra. Viva na última casa da cidade branca, para a frente havia a sanzala. No meio havia um terreno onde jogávamos todos futebol juntos. Sempre convivi com gente da sanzala e da cidade branca. Uns jogavam futebol descalços, outros calçados. E os que jogavam calçados tinham o cuidado de não magoar os outros.[…]
[…] Quando a guerra eclodiu estava em Portugal. Daí foi para Paris e, depois, já como militante do MPLA, para a Argélia, onde esteve muitos anos.
Entre 1963 e 1969. Fui com uma bolsa de estudos. Tínhamos lá um centro de estudos angolanos e uma delegação do MPLA. Quando acabei de estudar comecei a trabalhar para o Governo, e nunca mais de lá saía. Era uma questão de cor. O MPLA tinha medo de enviar brancos para a guerrilha porque não sabia qual seria a reacção da população: branco é filho de colono. Era preciso trabalhar as populações para nos aceitarem. Isso foi feito e em 1969 chamaram-me.
Trabalhá-las como?
Explicar que a nossa luta não era contra os colonos, nem contra pessoas mais claras, mas contra um sistema que tinha que acabar, contra o colonialismo. Foi preciso provar que servíamos para alguma coisa: cometer o mínimo de erros possível e arriscar mais do que o necessário." (entrevista concedida a Rita Silva Freire em dezembro de 2011. Dados do material ao final dessa página e no módulo Referências)
Em 1969, Pepetela foi recrutado pelo MPLA para a luta armada anticolonial, deslocando-se de Argel, onde vivia desde 1963 e havia se formado em Sociologia, para Cabinda*,
participando então de sua primeira frente de guerrilha, assumindo a
função de responsável pelo sector da educação. Adotou o nome de
guerra de Pepetela, que mais tarde viria a utilizar como pseudônimo
literário. Escreveu Mayombe (1971) nesta região. “Passados três anos,
foi para a Frente Leste* e escreveu As Aventuras de Ngunga e parte do
capítulo que mais tarde comporia A chana, de A geração da utopia.” (MATTOS, 2013, p. 10)
Imagens extraídas de https://www.buala.org/sites/default/files/imagecache/full/2012/01/pepetela._entrev3_-_copia.jpg
Em 1974, Pepetela assumiu o comando da frente de guerra contra a FNLA* (Força Nacional de Libertação de Angola), em Benguela, e dois anos depois foi nomeado como vice-ministro da Educação, já no primeiro governo do MPLA, presidido por Agostinho Neto, permanecendo nesse cargo até 1982, quando deixou o governo angolano para voltar a se dedicar somente à literatura.
É membro fundador da União dos Escritores Angolanos, associação
criada pelo governo angolano logo após a independência, que cuidava
das publicações e divulgações das produções literárias de seus
membros, escritores angolanos filiados ao MPLA, tendo
desempenhado cargos diretivos nessa entidade. A respeito dessa
entidade, disse o autor em entrevista:
"Em 1975, houve um grupo, acho que começou com o Luandino Vieira, o Manuel Rui Monteiro e Costa Andrade. Foram os três que começaram a discutir a ideia de criar a União. Isto ainda antes da independência. Depois deste grupo, o Arnaldo Santos e eu junto com os três escrevemos a proclamação da 'União', que foi proclamada no dia 10 de dezembro de 1975. Depois, mais tarde, nós os cinco formamos a comissão de instalação e dirigimos os destinos da organização por alguns meses até haver uma direção, já eleita. E fui eu a dar posse ao presidente Agostinho Neto* como presidente da Assembleia Geral da União. Quer dizer eu lhe disse 'tome posse', e quem era eu para lhe dar posse, e ele 'tomou posse' (risos). E, desde então, colaborei muitas vezes, estive na direção, e em alguns momentos que estive no governo não poderia lá estar, mas depois que saí do governo estive muito tempo nas relações exteriores da União, depois fui presidente da direção, durante dois ou três mandatos e depois mais tarde fui presidente da Assembleia Geral e pronto, depois saí já há um ano e tal, para os mais novos ocuparem." (entrevista concedida a Frank Marcon em novembro de 2003, publicada em sua tese de doutorado. Dados do material ao final dessa página e no módulo Referências)
Grande parte da sua obra literária foi publicada após a independência de Angola, sendo alvo de inúmeros estudos em várias universidades e instituições de ensino em Angola e noutros países. As suas obras foram publicadas em Angola, Portugal, Brasil, além de estarem traduzidas em quinze línguas.
As suas obras publicadas são: "As Aventuras de Ngunga" (1973), "Muana Puó" (1978), "A revolta da casa dos Ídolos" (1979), "Mayombe" (1980), "Yaka" (1985), "O cão e os calús" (1985), "Lueji" (1989), "Luandando" (1990), "A geração da utopia" (1992), "O desejo da Kianda" (1995), "Parábola do cágado velho" (1996); "A gloriosa família" (1997); "A montanha da água lilás" (2000), "Jaime Bunda, agente secreto" (2001), "Jaime Bunda e a morte do americano" (2003), "Predadores" (2005), "O terrorista de Berkeley, Califórnia" (2007), "O quase fim do mundo" (2008), "O planalto e a estepe" (2009), "A sul. O sombreiro" (2011), "O tímido e as mulheres" (2013).
As Aventuras de Ngunga e Mayombe foram escritos durante sua atuação como guerrilheiro do MPLA. Conforme dito anteriormente, Pepetela chefiou o setor de educação do movimento desde que foi recrutado para a luta armada em Cabinda, no ano de 1969. Nesta região, o escritor atuou como jornalista da rádio do MPLA (Angola Combatente). “Tentei fugir mas sempre me impuseram a educação. Diziam que era o mais capaz. Andava de escola em escola, a ver as dificuldades, a apoiar os professores e a fazer relatórios para o MPLA.” (PEPETELA, 2011, p. 3). Durante o período em que escreveu Mayombe, Pepetela prestava auxílio ao serviço de informação e a um programa de rádio do MPLA. “Passaram a lhe pedir para que gravasse os combates em que se pudesse ouvir o barulho das armas e acompanhar as notícias militares da guerra contra o colonialismo português. Foi quando passou a vivenciar a guerrilha escrevendo ‘relatos’ de guerra.” (MARCON, 2005, p. 22)
Pepetela falou brevemente sobre a gênese desse romance em entrevista a Frank Marcon, citada anteriormente. Segue o trecho:
"Aí fizemos a operação com a qual começa o Mayombe, esta operação no rio.... Então, quando terminamos a operação eu escrevi o comunicado de guerra e disse êpa, passou-se tantas emoções, tantos pensamentos, tantas coisas bonitas e más e isto fica numa fria página de relatório, isto é muito triste... Eu tirei a primeira página, enviei para a informação e comecei a escrever a operação como eu a vi. E aí nasceu Mayombe. Todas as noites eu ia escrevendo, escrevendo... É uma crônica romanceada, em que num momento dado as pessoas ganharam consistência, a história começa a encorpar-se e o resto não aconteceu mesmo, já é ficção pura. Ficção pura com muitos dados daquilo que eu ia aprendendo. Aquelas discussões todas, do tribalismo, eram coisas que se passavam, que no livro talvez estejam um pouco exageradas, mas eu escrevia para aprender. Eu não estava escrevendo algo para ser publicado, era para mim. Eu escrevia para aprender. Para saber atuar perante as questões que enfrentaria no dia-a-dia. Foi um bocado isto. Houve um boato de corrupção dentro do MPLA e eu queria era entender como as coisas aconteciam de um lado e de outro, como as pessoas se moviam, etc, como é que apareciam as pessoas. Mas, não tinha a intenção... É engraçado, mas não nasceu como romance. Acaba sendo um grande romance, talvez por isto. Por não ter a pretensão." (MARCON, 2005, p. 257)
Já As Aventuras de Ngunga esteve diretamente ligado ao projeto educacional do MPLA, visto que seu objetivo inicial era servir como uma cartilha para alfabetização das crianças nas bases. O excerto abaixo de uma entrevista mostra o autor falando brevemente sobre a concepção da obra.
“Escrito em Cabinda em 71. Pensado em 70 mas escrito em 71. Ngunga foi escrito em 1972 na Frente Leste. [...] Mas tinha outro objetivo, já era para ser publicado. Não como livro, mas como folhas, na escola. Aí talvez se veja melhor, já há uma preocupação didática.
A questão da linguagem já é muito mais cuidada para ser entendida por crianças.
Os temas tratados mais resumidamente. Mais ou menos todos os capítulos ficaram com o mesmo tamanho, até. Havia uma preocupação didática, podiam ser distribuídos.
Aí sim já havia outro objetivo. Aí foi escolhida a ficção por ter maior impacto, as idéias passavam, as crianças e os guerrilheiros também podiam ler, interessar-se-iam porque era uma obra de ficção, complementava, digamos, o texto político que estavam acostumados a ler.
Agora o Mayombe não tem essa preocupação.” (entrevista concedida a Carlos Serrano em 1985, publicada no artigo "O romance como documento social: o caso Mayombe", de sua autoria. Dados do material ao final dessa página e no módulo Referências)
Em ambos romances Pepetela deixa explícito seu desejo pela independência de uma Angola unificada, onde as diversas nações se tornassem somente uma, na luta contra o inimigo colonialista. Através do protagonismo dos angolanos, nas bases militares ou nas aldeias, o autor defende o projeto político do MPLA de construção de uma identidade nacional.
Pepetela e Luandino Vieira
Esse módulo trata da vida e obra de Pepetela e Luandino Vieira, escritores angolanos que retrataram com destaque e centralidade os populares (guerrilheiros, trabalhadores, moradores das aldeias no interior do país e da periferia de Luanda) em seus enredos, romancistas que se levantaram contra o poder metropolitano, sofreram com a repressão do governo lusitano e produziram uma literatura de combate e resistência pela independência de Angola.
Abaixo, em suas respectivas seções, temos a exposição de breves históricos e informações relevantes dos autores.
Pepetela e suas armas literárias(1)

Foto de 2018. Extraída de https://www.dw.com/image/45552398_403.jpg

A resistência à opressão colonial em Luandino Vieira(2)

Foto recente. Extraída de http://www.kapulana.com.br/wp-content/uploads/2019/03/2019_LUANDINO-VIEIRA_foto-site.jpg
José Luandino Vieira, pseudônimo literário de José Vieira Mateus da Graça (poeta, contista, tradutor), nasceu na Lagoa do Furadouro (Portugal) em 4 de Maio de 1935, mas emigrou com os pais para Angola em 1938. Participou das movimentações pela libertação nacional e contribuiu para o nascimento da República Popular de Angola.
Passou a sua infância e juventude em Luanda, onde fez o ensino primário e secundário. Foi preso pela PIDE em 1959, por conta de sua atuação no MPLA, e de novo preso em 1961. Condenado a 14 anos de prisão, em 1964 foi transferido para o campo de concentração do Tarrafal*, Cabo Verde, onde passou 8 anos. Durante a abertura promovida pelo governo de Marcelo Caetano em Portugal, foi libertado em 1972, mantido em regime de residência vigiada em Lisboa. Iniciou então a publicação da sua obra, na grande maioria escrita nas diversas prisões por onde passou.
Ilhas que formam a República de Cabo Verde
Fonte:https://www.researchgate.net/figure/Figura-Mapa-do-arquipelago-de-Cabo-Verde-Fonte-http-wwwhidroex-mggovbr_fig2_256599096.
Vila do Tarrafal, situada na Ilha de Santiago, Cabo Verde
Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Santiago#/media/Ficheiro:Bela-vista-net-Santiago-map.jpg.
Diferentemente de Pepetela, Luandino Vieira não atuou na luta armada, mas participou ativamente desde o princípio das movimentações anticoloniais no campo da produção literária e das atividades políticas de modo clandestino. Em entrevista concedida em 2007 a Joelma G. dos Santos, no Rio de Janeiro, o escritor falou sobre sua participação nas movimentações de contestação ao poder metropolitano, conforme o trecho a seguir.
"Então, podemos dizer que o movimento político ideológico que havia levado à independência do país teve sempre uma forte componente cultural e a aparecia visível sob essa forma cultural, porque a parte política obviamente era mais clandestina. Eu participei de ambas as coisas. Participei, e como era muito jovem, eu via os meus mais-velhos fazendo a revista Mensagem e o jornal Cultura, e tudo quanto eram as seções culturais do clube Botafogo que tinha um nome brasileiro e eu sempre participei disto colaborando com desenhos, com meus textos. E ao mesmo tempo também colaborava no movimento político traduzindo, por exemplo do inglês, poemas e textos, difundindo, distribuindo panfletos, aquela coisa da atividade política básica. Depois, quando começou a sério, com o início da luta armada em 61, eu preparei tudo para sair pro estrangeiro que era para, via estrangeiro, ir para o movimento, ir pra guerrilha. Fui preso e fui condenado a catorze anos de cadeia, por tanto, minha participação foi buscando nas cadeias a conscientização junto de milhares e milhares de angolanos que tiveram esse destino durante os catorze anos da luta armada. Quando saímos das prisões e da guerrilha, todos estavam irmanados e sacudidos pela luta do exílio. Do exílio interior e do exílio exterior. Tudo isto era a marca dos combatentes. Sem grandes discriminações entre os combatentes de luta armada e os outros combatentes, são todos combatentes, e isso já é um conforto. O retorno disso tudo é que a juventude do meu tempo teve essa sorte histórica de ser jovem no momento histórico certo e ter entrado numa ação do processo. Podia ter dado derrota no processo. Isso se é nossa satisfação, no meu caso, é também o reconhecimento de que eu não fiz nada pra isso, eu estava no momento histórico correto e minha juventude estava lá. Só tive que escolher e não foi muito difícil escolher, mas tinha algumas coisas contra mim: era branco, classe média e queriam me destruir. Mas, estas duas componentes da luta da libertação de Angola estão ao longo da História. O povo sempre com sua resistência popular e depois aqueles que podemos chamar de intelectuais, ou camadas cultas, também com sua resistência sempre separados uns dos outros. Só num momento é que as duas correntes confluíram no MPLA, obtendo sucesso entre a luta popular das grandes massas, sobretudo, e os intelectuais. Mas, quando se juntaram no movimento deu certo. Enquanto estiveram separadas, as duas forças, não deu." (VIEIRA, 2007, p. 285-286)
A sua estreia literária foi feita na revista Mensagem*, da Casa dos
Estudantes do Império de Lisboa, em 1950, tendo colaborado nesta
revista em anos posteriores (1961-1963) e ainda em O Estudante
(Luanda, 1952), Cultura (Luanda, 1957), Boletim Cultural do Huambo
(Nova Lisboa, 1958), Jornal de Angola (Luanda, 1961-1963), Jornal do
Congo (Carmona, 1962), Vértice (Coimbra, 1973) e Jornal de
Luanda (1973), entre outros.
Em 1975 regressou a Angola. Organizou e dirigiu a Televisão Popular de Angola (1975-1978), ocupou ainda os cargos de diretor do Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA (1975-1979) e do Instituto Angolano de Cinema (1979-1984), foi co-fundador da União dos Escritores Angolanos, sendo seu secretário-geral (1975-1980 e 1985-1992) e secretário-geral adjunto da Associação dos Escritores Afroasiáticos (1979-1984). Na sequência das eleições de 1992, e do reinício da guerra civil angolana, regressou a Portugal por razões familiares.
Recebeu vários prêmios literários: no ano de 1961 recebe o prêmio da Sociedade Cultural de Angola e da Casa dos Estudantes do Império de Lisboa; em 1963 recebe o prêmio da Associação dos Naturais de Angola e o Prêmio Mota Veiga; em 1965 foi-lhe atribuído o Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Autores, para a sua obra "Luuanda". Na sequência desta atribuição, a Sociedade Portuguesa de Escritores foi encerrada pela PIDE, e o júri perseguido. Em 2006, foi-lhe atribuído o Prêmio Camões, que, ‘por razões íntimas e pessoais’, recusou receber. E em 2008, foi-lhe atribuído o Prêmio Cultura do Ministério da Cultura do Governo de Angola.
A sua obra é composta de:
Contos e estórias curtas: A cidade e a infância (1957); Duas histórias de pequenos burgueses (1961); Luuanda (1963); Vidas novas (1968); Velhas histórias (1974); Duas histórias (1974); No antigamente, na vida (1974); Macandumba (1978); Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto & eu (1981); História da baciazinha de Quitaba (1986); À espera do luar (1998); Kapapa: pássaros e peixes (1998); e A fronteira de asfalto (2012).
Novelas: A vida verdadeira de Domingos Xavier (1961); e João Vêncio. Os seus amores (1979).
Romances: Nós, os do Makulusu (1974); Nosso Musseque (2003); e O livro dos rios, 1º vol. da trilogia De rios velhos e guerrilheiros (2006).
Infanto-juvenis: A guerra dos fazedores de chuva com os caçadores de nuvens. Guerra para crianças (2006); - Fábulas angolanas: Kaxinjengele e o poder (2007); Kiombokiadimuka e a liberdade (2008); Puku Kambundu e a sabedoria (2009); Kaputu Kinjila e o sócio dele Kambaxi Kiaxi (2010); Ngola Mukongo e a Justiça (2011); Xingandele, o corvo de colarinho branco (2012); Dimandondo, o morcego dos três nomes (2013); e Katubia Ufolo, o pássaro serpente (2015).
As escolha de Luuanda e Nosso Musseque como objetos de análise se devem aos seguintes fatores: foram escritos enquanto Luandino estava preso; retratam a cidade de Luanda no ambiente de forte repressão portuguesa e contestação anticolonial; e permitem ao professor de história diversas possibilidades para compreensão do contexto que antecedeu a independência. Tais obras trazem algumas das principais características de sua literatura: a oralidade, as marcas identitárias e a memória. No caso dessas obras, as vivências nos musseques compreendem a base das narrativas, visto que segundo o próprio autor, em trecho da entrevista citada acima,
"Esses textos que se referem ao espaço cultural, mais do que físico e humano de Luanda, foram e continuam, quando são produzidos, a ser produzidos a partir da memória, da minha memória. E a minha memória é baseada numa vivência muito intensa, muito determinada, muito funda, eu ia dizer até muito séria para uma criança, que foi a minha infância. Eu era uma criança não muito participativa, mas era uma criança muito observativa. Tava sempre a observar. Então, tudo quanto se passava com a minha família, com as relações com as famílias vizinhas dentro do meu bairro, do meu musseque*, que é a favela, tudo isso se gravou, não que eu estivesse determinado a gravar isso. Não. Duma maneira muito natural tudo isso entrou para dentro de mim e é a partir desse material que eu vou elaborando e criando os textos." (VIEIRA, 2007, p. 3)
Luandino expõe com seu traço a resistência da população pobre moradora dos musseques contra a exploração colonial, evidenciada pelas péssimas condições de infraestrutura e assistência social aos bairros periféricos da capital angolana. Essa literatura mostra um povo que necessita, sobretudo, do senso de união e coletividade diante da opressão por parte dos colonialistas, povo esse que aparece como protagonista em diversas situações, teimando em expor suas marcas culturais. Segundo o próprio Luandino, analisando brevemente sua produção literária:
“Nos livros, era quase ausente a grande camada dos angolanos. Eles não estavam nem na História que nos ensinavam nas escolas, nem na literatura, a não ser como personagens anedóticos. Tentei retratar os personagens que me pareciam representar a realidade social daquela época em toda sua grandeza e em todos os aspectos das suas vidas, como a exploração, a discriminação e todas as dificuldades que deram origem à sublevação para conseguir a independência política, sem a qual não era possível resolver os problemas do povo angolano.” (entrevista concedida a Guilherme Freitas em novembro de 2011. Dados do material ao final dessa página e no módulo Referências)

* Benguela
-
município capital da província de Banguela, oeste de Angola, .
* Lubango
-
município capital da província de Huíla, sul de Angola, .
* Tarrafal
-
prisão construída pelo governo português em 1936, situada em Cabo Verde, para onde eram enviados os presos envolvidos com atividades em prol da independência dos países que estavam sob o domínio colonial lusitano .
* PIDE
-
Polícia Internacional e de Defesa do Estado. Polícia política criada pelo governo ditatorial português para reprimir toda forma de oposição ao regime político vigente no país. Atuou entre os anos de 1945 e 1969.
* Revista Mensagem
-
publicações que deram voz e circulação às ideias dos literatos nacionalistas angolanos em suas contestações ao regime colonial a partir da década de 1950.




* FNLA
-
um dos movimentos nacionalistas angolanos que lutou na guerra anticolonial (1961 - 1974), liderado por Holden Roberto.
* Cabinda
-
uma das dezoito províncias de Angola, situada como um enclave no Congo, ao norte do país.


Notas
(1) Baseado em informações do site da União dos Escritores Angolanos. Disponível em https://www.ueangola.com/bio-quem/item/53-pepetela
(2) Baseado em informações do site da União dos Escritores Angolanos. Disponível em https://www.ueangola.com/bio-quem/item/872-luandino-vieira
Referências
MARCON, Frank Nilton. Leituras Transatlânticas: Diálogos sobre identidade e o romance de Pepetela. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. UFSC. Florianópolis, 2005.
MATTOS, Tatiane Reghini de. As vozes narrativas de Pepetela: A geração da utopia e Predadores. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP. São Paulo, 2013.
PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. São Paulo: Ática, 1981.
_________. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.
_________. “Não se festeja a morte de ninguém”. [Entrevista concedida a] Rita Silva Freire. in: Buala/originalmente publicada na Revista Caju, no dia 30 de Dezembro de 2011. Disponível em http://www.buala.org/pt/cara-a-cara/nao-se-festeja-a-morte-de-ninguem-entrevista-a-pepetela
SERRANO, Carlos. O romance como documento social: o caso de Mayombe. Revista Via Atlântica, n. 3, p. 132-139, dez. 1999. (Disponível em: http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/49013/53091
VIEIRA, Luandino. A Literatura se alimenta de Literatura. Ninguém pode chegar a escritor se não foi um grande leitor. [Entrevista concedida a] Joelma G. Santos. Revista Investigações - Linguística e Teoria Literária, Recife, v. 21, n. 1, p. 279-290, nov. 2007. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1388
______. “Lusofonia é um processo de choques e lutas”. [Entrevista concedida a] Guilherme Freitas. Prosa – O Globo (blog), nov. 2010. Disponível em https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/luandino-vieira-lusofonia-um-processo-de-choques-lutas-338445.html
______. Luuanda. São Paulo: Editora Ática, 1982.
______. Nosso Musseque. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.