HISTÓRIA & LITERATURA
Angola e a luta anticolonial
ORALIDADE
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As Aventuras de Ngunga e Mayombe
Nos romances de Pepetela a oralidade não está no centro das narrativas, mas pode-se observar, até pelo protagonismo dos angolanos nos enredos, termos e expressões locais nos diálogos e nos relatos. O fragmento a seguir exemplifica a forma como o autor trabalhou a expressão oral nessas obras, principalmente em Mayombe, nos relatos dos guerrilheiros, dando voz àqueles que eram sufocados e oprimidos. Importante observar que nenhum português tem fala em Mayombe, pois a visão a respeito dos acontecimentos fica totalmente centrada nos angolanos.
Eu, O Narrador, Sou Muatiânvua.
Meu pai era um trabalhador bailundo(1) da Diamang(2), minha mãe uma kimbundo do Songo.
O meu pai morreu tuberculoso com o trabalho das minas, um ano depois de eu nascer. Nasci na Lunda, no centro do diamante. O meu pai cavou com a picareta a terra virgem, carregou vagões de terra, que ia ser separada para dela se libertarem os diamantes. Morreu num hospital da Companhia, tuberculoso. O meu pai pegou com as mãos rudes milhares de escudos de diamantes. A nós não deixou um só, nem sequer o salário de um mês. O diamante entrou-lhe no peito, chupou-lhe a força, chupou, até que ele morreu.
O brilho do diamante são as lágrimas dos trabalhadores da Companhia. A dureza do diamante é ilusão: não é mais que gotas de suor esmagadas pelas toneladas de terra que o cobrem.
Nasci no meio de diamantes, sem os ver. Talvez porque nasci no meio de diamantes, ainda jovem senti atração pelas gotas do mar imenso, aquelas gotas-diamante que chocam contra o casco dos navios e saltam para o ar, aos milhares, com o brilho leitoso das lágrimas escondidas.
O mar foi por mim percorrido durante anos, de norte para sul, até à Namíbia, onde o deserto vem misturar-se com a areia da praia, até ao Gabão e ao Ghana, e ao Senegal, onde o verde das praias vai amarelecendo, até de novo se confundir com elas na Mauritânia, juntando a África do Norte à África Austral, no amarelo das suas praias. Marinheiro do Atlântico, e mesmo do Índico eu fui. Cheguei até à Arábia, e de novo encontrei as praias amarelas de Moçâmedes e Benguela, onde cresci. Praias de Benguela, praias da Mauritânia, praias da Arábia, não são as amarelas praias de todo o Mundo?
Em todos os portos tive uma mulher, em cada porto uma maka. Até que, um dia, estava eu nos Camarões, ouvi na rádio o ataque às prisões, no 4 de Fevereiro(3). O meu barco voltava para o sul e não cheguei a Angola. Fiquei em Matadi, ex-congo
Belga. Lumumba tinha morrido, a ferida sangrava ainda, a ferida só ficou sarada quando o 4 de Fevereiro estalou. (PEPETELA,
1982, p. 146)
Sugestão de atividade
A atividade a seguir deve ser realizada com base na leitura do romance Mayombe, e suas etapas estão ordenadas na sequência dos encontros com a turma.
1º) Solicite que os alunos, individualmente, destaquem no mínimo 3 (três) passagens do livro em que algum dos personagens faz um relato oral de suas memórias ou percepções acerca da realidade.
2º) Os alunos devem trazer as passagens por escrito, e partindo desses trechos o professor deve estimular um debate centrado nas falas dos personagens, na importância da transmissão de conhecimentos não apenas nas formas escritas, abordando as formas de legado histórico nas sociedades ágrafas no decorrer da história da humanidade.
Notas
(1) Cidade e município da província do Huambo, em Angola.
(2) Companhia de Diamantes de Angola. Empresa portuguesa de prospecção de diamantes, sediada em Lisboa, que operou durante o período colonial, de 1917 até 1975, sendo dissolvida após a independência de Angola
(3) Referência aos ataques que marcaram o início da guerra anticolonial angolana, perpetrados com o objetivo de libertar presos políticos, encarcerados pelo regime colonial.
Referências
PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. São Paulo: Ática, 1981.
__________. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.