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ORALIDADE

  • Luuanda

Associada à memória, a oralidade é um dos principais elementos das obras de Luandino Vieira. Conforme observado no sexto módulo, o escritor utilizou a todo momento a forma como se falava nos musseques. Sobre a opção por esse recurso da oralidade, o escritor falou o seguinte em entrevista:

 

Quando comecei a escrever, segui uma opção política de criar uma linguagem literária que correspondesse à linguagem que o povo utilizava nas suas necessidades de vida, naquele contexto dos anos 40, 50 e 60. Quis recolher da comunicação oral, do cotidiano dos meus personagens, a expressão linguística de Angola. (VIEIRA, 2010, p. 2)

 

Ao longo dos três contos, em todos os relatos e conversas dos populares encontramos marcas da oralidade local, expressando a força cultural do idioma quimbundo. Desse modo, Luandino subverteu a língua portuguesa misturando-a ao quimbundo, alterando também muitas construções sintáticas do próprio português.

 

Na passagem abaixo, o diálogo entre Zefa e Bina, no terceiro conto da obra, ilustra a opção literária do autor fundada na oralidade. Essa conversa é travada no início do conflito entre as vizinhas pela posse do ovo colocado no quintal de Bina pela galinha de Zefa.

 

Nga Zefa, as mãos na cintura, estendia o corpo magro, cheio de ossos, os olhos brilhavam assanhados, para falar:

— Você pensa eu não te conheço, Bina? Pensas? Com essa cara assim, pareces és uma sonsa, mas a gente sabe!... Ladrona é o que você é!

A vizinha, nova e gorda, esfregava a mão larga na barriga inchada, a cara abria num sorriso, dizia, calma, nas outras:

— Ai, vejam só! Está-me disparatar ainda! Vieste na minha casa, entraste no meu quintal, quiseste pelejar mesmo! Sukuama(1)! Não tens respeito, então, assim com a barriga, nada?!

— Não vem com essas partes, Bina! Escusas! Querias me roubar a Cabíri(2) e o ovo dela!

— Ih?! Te roubar a Cabíri e o ovo!? Ovo é meu!

Zefa saltou na frente, espetou-lhe o dedo na cara:

— Ovo teu, tuji(3)! A minha galinha é que lhe pôs!

— Pois é, mas pôs-lhe no meu quintal!

Passou um murmúrio de aprovação e desaprovação das vizinhas, toda a gente falou ao mesmo tempo, só velha Bebeca adiantou puxar Zefa no braço, falou sua sabedoria:

— Calma então! A cabeça fala, o coração ouve! Pra quê então, se insultar assim? Todas que estão falar no mesmo tempo, ninguém que percebe mesmo. Fala cada qual, a gente vê quem tem a razão dela. Somos pessoas, sukua’(4), não somos bichos! (VIEIRA, 1982, p. 13)

Sugestão de atividade

A atividade proposta está dividida em duas etapas, sequenciadas abaixo:


1º) Separe a turma em grupos de no máximo 4 (quatro) integrantes e peça para que cada equipe escolha um dos contos de Luuanda; Faça uma aula expositiva e dialogada contextualizando a obra literária e o autor; Peça para que os grupos destaquem nos seus respectivos contos algumas sequências de diálogos que auxiliem na compreensão do contexto de vida dos moradores dos musseques da capital angolana, trazendo por escrito na próxima aula.


2º) Partindo dos excertos selecionados pelas equipes, organize as apresentações grupos de modo que todos falem em sequência e estabeleça uma discussão baseada nas falas dos personagens analisando a construção literária da obra e a compreensão histórica a partir da oralidade.


Obs.: essa atividade pode ser feita em articulação interdisciplinar com o professor de 
língua portuguesa, em suas abordagens literárias e/ou gramaticais.

Notas

(1) Interjeição de repulsa

(2) Animal pequeno. Referência à galinha, nesse caso.

(3) merda

(4) Expressão equivalente a “ora!”

Referências

 VIEIRA, Luandino. “Lusofonia é um processo de choques e lutas”. [Entrevista concedida a] Guilherme Freitas. Prosa – O Globo (blog), nov. 2010. Disponível em https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/luandino-vieira-lusofonia-um-processo-de-choques-lutas-338445.html

VIEIRA, Luandino. Luuanda. São Paulo: Editora Ática, 1982.

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