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  • As Aventuras de Ngunga

A questão da identidade nacional aparece em As Aventuras de Ngunga fundamentalmente na oposição ao inimigo colonialista, no retrato literário dos kimbos angolanos sofrendo de forma parecida com os problemas causados pelos portugueses e nas chamadas que o narrador faz a todo momento pela união entre os moradores das aldeias e os militantes do MPLA, tudo isso mantendo ocultas as diferenças nacionais, visto que em momento algum o autor faz referência específica a alguma das nações que habitavam o solo angolano.

 

Logo no primeiro capítulo do romance, num parágrafo relatando brevemente a história de vida do garoto Ngunga até então, temos a apresentação dos horrores cometidos pelos colonialistas. Segue o trecho abaixo:

 

Ngunga é um órfão de treze anos. Os pais foram surpreendidos pelo inimigo, um dia, nas lavras. Os colonialistas abriram fogo. O pai, que era já velho, foi morto imediatamente. A mãe tentou fugir, mas uma bala atravessou-lhe o peito. Só ficou Mussango, que foi apanhada e levada para o posto. Passaram quatro anos, depois desse triste dia. Mas Ngunga ainda se lembra dos pais e da pequena Mussango, sua irmã, com quem brincava todo o tempo. (PEPETELA, 1981, p. 4)

 

O território angolano é apresentado na trama como um local homogêneo, de certa forma, não considerando sua diversidade cultural. Nesse aspecto, entendo que essa opção revela o compromisso do autor com o projeto político de MPLA pela unificação nacional do país. As próprias críticas aos chefes das aldeias e a algumas tradições locais em diversas sequências do romance indicam a busca pela construção de um caminho unificado do ponto de vista da nação.

 

Algumas sequências e trechos do romance podem ser utilizados didaticamente pelo professor de história ao abordar o tema da identidade nacional de modo ampliado. No resumo do quarto módulo foram observadas algumas críticas aos chefes locais através, principalmente, do exemplo da conduta do chefe Kafuxi. No que concerne ao combate a algumas tradições, a obra descreve como degradante e desumana a prática do alambamento(1) (realizada pelos povos bantu, consiste numa espécie de dote pago à família da noiva, garantindo o casamento dela com o sujeito que pagou), origem do casamento de Uassamba com o chefe Chipoya. Há um esforço estratégico de mostrar a necessidade de uma reformulação do pensamento dos angolanos, de acordo com o ideal nacionalista, que pretende construir uma Angola livre do domínio colonial. A obra tem, portanto, o sentido de um instrumento político que objetiva a transformação na postura social e no comportamento dos indivíduos que constituirão a nação, a partir do questionamento ou do rompimento com algumas tradições. No trecho abaixo, temos uma conversa entre Ngunga e o comandante Mavinga, onde o jovem expõe seu aborrecimento com o alambamento:

 

Oh, este Mundo está todo errado! Nunca se pode fazer o que se quer!

– Hei de lutar para acabar com a compra das mulheres – gritou Ngunga, raivoso. – Não são bois!

– Para isso precisas de estudar. Eu não sei sobre o alambamento. Sempre se faz, os meus avós ensinaram-me isso. Mas, se achas que está mal e que é preciso acabar com ele, então deves estudar. Como aceitarão o que dizes, se fores um ignorante como nós? (PEPETELA, 1981, p. 53)

 

Em outros trechos o romancista chama a atenção para a fundamental diferenciação que Ngunga faz entre os conterrâneos que, a despeito de serem boas ou más pessoas, eram contra o domínio colonial e aqueles que defendiam o colonialismo em suas atitudes, como o cozinheiro da prisão para onde Ngunga foi levado quando capturado pelos agentes da PIDE. O trecho a seguir mostra como pensava esse sujeito.

 

E Ngunga, desta maneira, tornou-se criado do chefe da PIDE. Lavava o chão, servia a comida, lavava as panelas. O cozinheiro era um velho resmungão. Já sabia da história de Ngunga.

– Vocês julgam que vão ser independentes – dizia ele. – Estúpidos! Se não fossem os brancos, nós nem conhecíamos a luz elétrica. Já tinhas visto a luz elétrica e os carros, seu burro? E queres ser livre. Livre de quê? Para andares nu a subir nas árvores? (PEPETELA, 1981, p. 53)

Em seguida podemos ver como Ngunga classifica esse cozinheiro, em relação a outras pessoas que conheceu em sua caminhada.

 

As pessoas de quem gostara e de quem não gostara vinham-lhe à lembrança: os pais, Mussango, Kafuxi, Imba, Nossa Luta, Mavinga, Chivuala, União. Bons ou maus, todos tinham uma coisa boa: recusavam ser escravos, não aceitavam o patrão colonialista. Não eram como os G.E.* ou o cozinheiro da PIDE. Eram pessoas; os outros eram animais domésticos. (PEPETELA, 1981, p. 41)

IDENTIDADE NACIONAL

Sugestão de atividade

Com a turma dividida em grupos com no máximo 5 integrantes, solicite que cada equipe escreva um texto a partir dos seguintes pontos de reflexão:

1) Como o país Angola aparece no romance As Aventuras de Ngunga?


2) Selecione e discuta trechos da obra em que fica evidente a busca pela construção de
uma nova nação.

Na aula seguinte, cada equipe deve apresentar seu texto aos outros grupos, sob mediação do professor.

Notas

(1) Fonte: MARTINS, Maria do Rosário Antunes Rodrigues; TAVARES, Ana Cristina Pessoa. Singularidades museológicas de uma tábua com esculturas em diálogo: do alambamento ao casamento em Cabinda (Angola). An. mus. paul. [on-line], São Paulo, v. 25, n. 2, p. 83-115, ago. 2017. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142017000200083&lng=pt&nrm=iso; http://dx.doi.org/10.1590/1982-02672017v25n02d04.

Referências

PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. São Paulo: Ática, 1981.

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