HISTÓRIA & LITERATURA
Angola e a luta anticolonial
LUTAS DE LIBERTAÇÃO
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As Aventuras de Ngunga
Conforme a resenha do quarto módulo, as lutas de libertação se configuram num tema que acompanha a trajetória de seu protagonista. Nele, o professor pode utilizar sequências que mostram as ações dos grupamentos do MPLA junto às populações nos kimbos (aldeias), bem como os diálogos que mostram as relações estabelecidas entre o movimento e os chefes locais para que se pudesse obter o apoio do povo nas zonas rurais. O trecho abaixo reproduz o sexto capítulo do romance, mostrando um dos momentos em que o autor retratou as relações estabelecidas entre as tropas do MPLA e os chefes das aldeias.
Foi no primeiro dia que ficou no kimbo sem ir à lavra que Ngunga ouviu a conversa entre o velho Kafuxi e o responsável de setor. Dizia este: – Recebi queixas e por isso venho saber. O povo diz que o camarada Presidente quase nada dá aos guerrilheiros, que são só os outros que alimentam o esquadrão.
– Quem diz isso? Os mentirosos, os invejosos! Quem diz? Quero os nomes deles.
– Eu só quero saber se é mentira. Os nomes não interessam.
– José, tu conheces-me desde miúdo – gritou o presidente, um braço a apontar para o outro. – Diz, pensas que eu ia guardar a minha comida? Os meus filhos são guerrilheiros, estão a dar o sangue nesta luta. E eu vou recusar dar comida? Quem pensas tu que eu sou?
O responsável de setor era mais novo que Kafuxi. Embora fosse seu superior, devia-lhe respeito. Assim lhe tinham ensinado os seus avós. Engasgava-se, tossia, não sabia que dizer.
– Se me diz que é mentira, eu aceito.
– Claro que é mentira.
– O que eles dizem, alguns, é que o camarada dá. Mas dá pouco, pois colhe muito mais que os outros e entrega o mesmo que eles.
– Como é que vou dar mais? – berrou Kafuxi. – Estou velho, já não trabalho na lavra.
– Sim, eu sei… Mas eles dizem que tem três mulheres, que pode dar mais.
– Diz-me tu, José. Quanto é que dás?
– Eu? Uma quinda de fuba por semana. Uma quinda como aquela – apontou a mostrar. – É o que está estabelecido.
– É o que eu dou. Como estão a protestar?
– Dizem que essa medida é para os que têm uma só mulher. Que não é justo, você que tem três…
– E tu não tens duas mulheres? Porque não dás mais, então?
O responsável não foi capaz de responder. Desculpou-se e partiu, dizendo que ia falar ao povo.
Ngunga mostrara-se, mas não repararam nele. Não foi por acaso que
Ngunga se mostrou. É que o responsável só falava nas três mulheres do Kafuxi e
esquecia o Ngunga, que trabalhava tanto como elas.
Então o velho, com quatro pessoas a trabalhar para ele, dava o mesmo para
os guerrilheiros que o velho Munguindo, que nem mulher tinha?
Mas o responsável não reparou nele. E Ngunga não falou. (PEPETELA, 1981, p. 13-14)
Cenas retratando ataques das tropas colonialistas e o contato dos combatentes com os inimigos portugueses também contribuem para a apreensão do contexto histórico da luta anticolonial no interior angolano naquele momento, como na ofensiva à escola onde Ngunga morava com o professor União. Chama a atenção a riqueza de detalhes na descrição da cena, transportando o leitor para a situação relatada. Segue um trecho do capítulo 16 (dezesseis) relatando o início do confronto.
Estavam a tomar o mata-bicho, quando tudo começou.
Um estrondo enorme, logo seguido de intenso fogo de armas ligeiras. União
só teve tempo de pegar na arma e saltar para trincheira, gritando:
– Vem, Ngunga, vem!
Ngunga imitou-o. O professor tinha cavado uma pequena trincheira à frente
da casa. Por sorte, nenhum dos dois foi ferido com os primeiros tiros. Os colonialistas continuavam a fazer fogo, agora dirigido para a trincheira. União respondeu com duas rajadas curtas, depois a tiro-a-tiro. Ngunga, com quem ficara a SKS depois da partida de Chivuala, também disparou. Primeiro à toa, sem apontar. Depois começou a notar as árvores de onde vinham as balas do inimigo e, calmamente, apontou para lá.
– Devagar, Ngunga, poupa as munições – disse União.
Os inimigos pararam o fogo. O professor também parou, observando atentamente à sua volta. Podiam tentar cercá-los. Já tinham certamente reparado que eles eram só dois e iam tentar apanhá-los vivos. Um colonialista avançou para uma árvore e Ngunga disparou. Falhou. Uma granada rebentou perto deles e a areia veio cair sobre o pioneiro.
– É preciso aguentar – disse Ngunga. – O Mavinga vai aparecer.
Tinham na véspera recebido uma mensagem, dizendo que o comandante Mavinga estava perto e chegaria em breve. «Ouvindo o fogo, ele virá com os seus guerrilheiros», pensou Ngunga. «É preciso aguentar. Ele virá.»
O inimigo abriu de novo fogo. Agora vinha sobretudo da esquerda. Os soldados estavam escondidos atrás das árvores e não tentavam avançar. Os dois amigos só disparavam quando viam um inimigo. Um obus de bazuca silvou acima das suas cabeças e foi rebentar a casa. Um pau caiu na trincheira e feriu União na cabeça. (PEPETELA, 1981, p. 13-14)
A luta pela libertação segue no enredo conectada à formação do menino Ngunga como guerrilheiro. A sequência abaixo mostra um momento crucial desse processo, quando ele conseguiu fugir da prisão onde se encontrava, mostrando como as vivências e os ensinamentos descritos nos capítulos anteriores da obra foram importantes para o amadurecimento do jovem.
Veio a noite. Escura, pois as nuvens tapavam a Lua. O cozinheiro já fora para casa. Ngunga saiu da cozinha e entrou na sala onde estava o chefe da PIDE. Este escrevia na mesa. A pistola estava pendurada na parede. Ngunga pegou nela e apontou-a para o branco. Ele ouviu barulho e virou a cabeça. A primeira bala atravessou-lhe o peito. A segunda foi na cabeça. Ngunga foi ao quarto, apanhou a G3 e a FN que lá estavam. Com as três armas, saiu de casa e meteu-se na noite.
Eles tinham apanhado uma AK e uma SKS, quando atacaram a escola. Ele levava uma G3, uma FN e uma pistola. Eles apanharam o União, mas três soldados e o chefe da PIDE morreram. « O Movimento não perdeu o combate», pensou ele. Hum! Não era verdade, União valia mais que cem colonialistas. Mas ele não podia fazer mais nada.
Perto do arame farpado, rastejou para passar na abertura que tinha preparado nas noites anteriores. No Posto, os soldados corriam para saber de onde tinham vindo os tiros. Encontrariam o polícia no meio do seu próprio sangue, ele que fizera correr tanto sangue de União. Ngunga não o matou por lhe ter batido. Já tinha planeado tudo antes que o branco chegasse a casa. Tinha mesmo preparado a G3 para a utilizar. Mas quando viu a pistola mudou de ideias. Matou-o porque era um inimigo, um assassino. Matou-o porque torturava os patriotas. (PEPETELA, 1981, p. 13-14)
Sugestão de atividade
A partir da seguinte sequência de quatro capítulos, do 16 (dezesseis) ao 19 (dezenove),
solicite aos estudantes que escrevam individualmente um pequeno texto analisando
o conflito entre colonialistas e angolanos, comparando o texto literário desse trecho da
obra com a leitura de textos historiográficos (indicados pelo professor) sobre o tema.
Na aula seguinte, promova uma discussão baseada na produção dos alunos.
Referências
PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. São Paulo: Ática, 1981.