HISTÓRIA & LITERATURA
Angola e a luta anticolonial
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Nosso Musseque
Em Nosso Musseque, Luandino Vieira trabalhou as questões de identidade fundamentalmente na contestação ao poder colonial, sobretudo a partir das experiências de vida dos populares.
Uma situação exemplar se deu com a chegada da família do português Sô Luís no musseque, a qual representou o início das reações populares marcadas pela identidade contrária aos colonialistas. Ele, uma autoridade policial, já nos primeiros dias, fechou para si um quintal de árvores frutíferas que era aberto. Antes disso, sempre que havia necessidade, a comunidade do musseque retirava de lá alguns alimentos. O espaço ainda era de suma importância para as crianças, que por lá brincavam livremente. Essa noção da terra como um bem comum foi violada pelo branco que privatizou para si a área. A primeira reação dos moradores surgiu com ofensas, segundo o trecho a seguir: “Ngueta camuelo(1). Esses brancos são assim. Olha só! Chegou dois dias e pronto! Começa já a dizer aquilo é dele.” (VIEIRA, 2003, p. 17).
Outro episódio semelhante ocorre quando algumas famílias foram desapropriadas de suas casas, já que, com o crescimento de Luanda, os donos das habitações almejavam outras aplicações para esses terrenos. Ainda antes do despejo das famílias, quando não havia dinheiro para o pagamento do aluguel, o cobrador simplesmente adentrava as moradias e tomava alguns pertences de valor. A reação a essas explorações sofridas leva os moradores do musseque a algumas atitudes de resistência, como a agressão das mulheres a um tratorista que derrubava as cubatas e do menino Zito ao cobrador Aníbal.
Nga Xica ainda andou procurar casa noutro sítio mas, cada dia que saía, ninguém que ficava para fazer o trabalho e a comida depois faltava. A gente via o tractor correr pelo capim, com os dentes amarelos a destruir tudo e avisava nga Xica: um dia ia de chegar ali e, depois, sucedia como a senhora Fefa que escapou morrer dentro da cubata.
— Branco não tem coração! Chegam aí, nem que você se põe lá dentro, mana, derrubam! (VIEIRA, 2003, p. 35)
Noutro trecho, na terceira e última parte do romance, a ríspida discussão entre Carmindinha e seu pai, Capitão Bento Abano, mostra a jovem questionando os efeitos nocivos da opressão colonial sobre o povo e enfrentando a visão conservadora de seu pai, que coloca o peso da culpa pelas más condições de vida na própria população.
(Carmindinha) Levantava:
— Mas instruídos como? E as escolas?... E isso do vinho, dos bailes, das quitandas, porquê não acabam com essas coisas então?... Porquê não pedem para fechar?…
Bento Abano vinha na porta, enchia o peito com ar fresco do começo da noite.
Sorria, voltava, o olhar já brincando outra vez, a certeza que ia calar a filha fazia-lhe demorar na resposta. Carmindinha continuava, agressiva:
— Ah! Não sabe?... É assim que a desculpa deles é a mesma!... O povo não presta, o povo está estragado, esta geração só pensa em bebedeira e quitatas… (VIEIRA, 2003, p. 35)
IDENTIDADE NACIONAL
Sugestão de atividade
A partir das situações de conflito enfrentadas pela população do musseque no terceiro capítulo, solicite aos educandos que redijam, individualmente, um texto analisando de que formas os populares se organizaram na resistência contra a opressão colonial e destacando em quais trechos se pode observar uma tomada de consciência no sentido da luta coletiva.
Notas
(1) Expressão depreciativa que significa “branco ordinário”
Referências
VIEIRA, Luandino. Nosso Musseque. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.