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Questões em torno das identidades nacionais aparecem neste romance principalmente nas seguintes abordagens: no projeto do MPLA para a formação de uma Angola independente; e na pluralidade da origem dos guerrilheiros, oriundos de diversas nações, às quais o autor se refere como tribos.

 

Diferentemente de As Aventuras de Ngunga, até pela distinção entre os objetivos das obras, em Mayombe as diferentes nacionalidades aparecem a todo momento, porém são tratadas como entraves ao projeto político do MPLA. Pepetela deixa explícita, em vários trechos do romance, a tentativa de diminuir as nações existentes em Angola na medida em que são denominadas como tribos e concebidas como um dos maiores problemas a serem equacionados para a construção do país independente. Tal como na obra anterior, isso denota o tipo de projeto de ruptura com o poder metropolitano proposto pelo MPLA, lidando com a diversidade de nações locais no sentido de suplantá-las em favor da criação e fortalecimento de uma unidade nacional angolana. O seguinte trecho, de uma conversa entre o Comandante Sem Medo e o Comissário, exemplifica esse tipo de abordagem.

 

Tinham acabado de se lavar. Sem Medo acendeu um cigarro. Até eles chegava o cheiro de matete(1) para o mata-bicho(2). O Comissário tossiu e disse:

— Tu és o Comandante, o que quiseres é lei…

— Somos três no Comando, camarada. Se vocês os dois não estiverem de acordo, eu inclino-me. Não sou ditador, bem sabes.

— Somos três? Vocês são dois!

Sem Medo fixou-o. Uma ruga cavou-se-lhe entre os olhos.

— Que queres dizer?

— Simplesmente que, desde que tu e eu não estejamos de acordo, vocês são dois e eu um: O Das Operações vai sempre pelo teu lado. Até parece que nunca reparaste!

— Sim, reparei. Porque faz ele isso?

— Não tens ideia?

— Tenho duas: ou porque sou o Comandante, ou porque tu és o Comissário.

— Estás a gozar!

— Não estou nada. Ou porque sou o Comandante e deve apoiar-se para estar bem comigo e poder subir... ou porque tu és o Comissário, cargo logo a seguir ao dele, e deve estar contra ti, destruir-te, mostrar os teus erros, para apanhar o teu lugar.

— Pensas assim?

— É certo!

— Também me parece que sim – disse o Comissário. – É pena! É um bom militar, no meu entender. Sobretudo quando eu não participo numa operação e, assim, as suas boas ideias não podem vir ajudar o meu prestígio. Quando eu estou, ele comete erros só para me contradizer. Não porque eu tenha sempre razão, mas às vezes também tenho…

O Comandante deu-lhe uma palmada no ombro.

— Tens de te habituar aos homens e não aos ideais. O cargo de Comissário é espinhoso, por isso mesmo. O curioso é que vocês, na vossa tribo, até esquecem que são da mesma tribo, quando há luta pelo posto.

— O que não quer dizer que não há tribalismo, infelizmente. Aliás, não me venhas dizer que com os kikongos não se passa o mesmo.

— Eu sou kikongo(3)? Tu és kimbundo? Achas mesmo que sim?

— Nós, não. Nós pertencemos à minoria que já esqueceu de que lado nasce o Sol na sua aldeia. Ou que a confunde com outras aldeias que conheceu. Mas a maioria, Comandante, a maioria?

— É o teu trabalho: mostrar tantas aldeias aos camaradas que eles se perderão se, um dia, voltarem à sua. A essa arte de desorientação se chama formação política!

E foram tomar o matete. (PEPETELA, 1982, p. 9-10)

Todo o enredo é perpassado pelo “tribalismo”, termo utilizado pelo autor para se referir à diversidade nacional da população angolana. Diversos conflitos e divergências entre os combatentes são catalisados por este elemento, definido como uma espécie de inimigo interno do movimento na luta pela construção de uma nação angolana unificada. O comandante Sem Medo, líder do grupo de guerrilheiros protagonistas da trama, se mostra preocupado em resolver tais questões nos diversos conflitos com os quais se depara, buscando unir forças contra os inimigos colonialistas, e ao mesmo tempo pensando na concepção da Angola pós-independência. É importante pontuar que o MPLA, movimento de orientação marxista, combatia as divisões e rivalidades entre os povos habitantes do território angolano, o que se refletiu no enredo concebido por Pepetela em Mayombe.

 

A narração a seguir de um dos guerrilheiros, incomodado com as decisões do comando da base quanto ao roubo do dinheiro de um dos trabalhadores por parte de um combatente, exemplifica tais conflitos de natureza nacional:

 

Eu, o Narrador, Sou Milagre, o Homem da Bazuka.

Viram como o Comandante se preocupou tanto com os cem escudos desse traidor de

Cabinda? Não perguntam porquê, não se admiram? Pois eu vou explicar-vos.

O Comandante é kikongo; embora ele tenha ido pequeno para Luanda, o certo é que a sua família veio do Uíje(4). Ora, o fiote(5) e o kikongo são parentes, é no fundo o mesmo povo. Por isso ele estava tão furioso por se ter roubado um dos seus primos. Por isso ele protege Lutamos, outro traidor. E viram a raiva com que ele agarrou o Ingratidão? Porquê? Ingratidão é kimbundo, está tudo explicado. (PEPETELA, 1982, p. 28)

 

A narrativa transcorre mediante um processo onde o grupo de combatentes supera suas maiores dificuldades e finalmente atinge alguma coesão em torno da luta contra o inimigo colonialista ao passo que diminuem os conflitos internos gerados pelas diversas origens nacionais, culminando num final onde temos uma cena alegórica, em destaque na parte final da resenha do quinto módulo, sugerindo o nascimento da nação angolana a partir da morte de outras nações.

 

Puseram os corpos do Comandante e de Lutamos no buraco e taparam-nos. O

Comissário não falou, como lhe competia. Não haveria oração fúnebre. Ekuikui chorava silenciosamente. Verdade também.

O Chefe de Operações disse:

— Lutamos, que era cabinda, morreu para salvar um kimbundo. Sem Medo, que era

kikongo, morreu para salvar um kimbundo. É uma grande lição para nós, camaradas. (PEPETELA, 1982, p. 170)

  • Mayombe

IDENTIDADE NACIONAL

Sugestão de atividade

Solicite aos alunos a elaboração, individualmente ou em dupla, de um catálogo com 
definições e dados quantitativos dos seguintes indicadores que aparecem no romance:


- idiomas nacionais angolanos;
- nações habitantes do território angolano;
- regiões de Angola.


Após o referido levantamento, promova o compartilhamento das informações entre os 
colegas na aula seguinte, discorrendo e debatendo a respeito dos dados coletados.


Essa atividade pode ser desenvolvida em parceria com os professores de Geografia e 
de Língua Portuguesa, conectando a aplicação da tarefa de modo interdisciplinar.

Notas

(1) Mingau de farinha de milho ou mandioca com açúcar.

(2) Café da manhã; desjejum.

(3Idioma falado pelos bacongos, habitantes da região da província de Cabinda, em Angola. No romance, Pepetela se refere a esse povo pela denominação de sua língua.

(4) Uma das 18 províncias de Angola, localizada na região norte do país.

(5) Referência ao idioma falado na região de Cabinda.

Referências

PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.

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